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Como bons brasileiros, nós não conhecemos neve. Talvez alguns dias frios durante o inverno, um pouco de gelo pra quem viaja pra São Joaquim em Santa Catarina, ou férias de inverno em Bariloche pros mais abastados. Então é uma visão romântica da neve e do inverno.
Inverno é duro aqui. Muito duro. Começa a ficar frio por volta de meados de setembro e só volta a melhorar em meados de abril. Mas em alguns anos isso só aconteceu em julho (e também teve anos em que março estava bom). Então vivemos com as janelas fechadas por 5 ou 6 meses por ano. Janelas com vidro duplo, pra isolar o ambiente. Dentro de casa vivemos em confortáveis 21°-25° C dependendo dos radiadores e da casa. Em geral perto de 21° C.
Não bastasse o frio, uma das piores coisas aqui na europa nórdica é a escuridão. A foto acima do sol pondo-se foi feita por volta das 3 horas da tarde. Nessa época do ano o sol nasce depois das 8 da manhã. Hoje, dia 15 de janeiro, o sol nasce às 8:30 e põe-se às 3:24 da tarde. O ápice a escuridão é dia 21 de dezembro, e depois disso vai aumentando as horas de sol. 1 minuto mais ou menos por dia (em certo momento é bem mais, mas não vou entrar nesse assunto).
Nos primeiros anos recebemos isso como novidade e até adoramos. Afinal é novidade. Mas conforme o tempo vai passando, e isso vira sua rotina, começa a afetar você. Em geral levando à depressão. E esse é um dos maiores motivos de uso de antidepressivos aqui, do qual também sou usuário: regular o corpo com os ciclos de pouco sol no inverno e muito sol no verão. É bem comum encontrar pessoas que passam pelo problema de insônia, que é um dos efeitos disso. Durante o inverno, o isolamento em casa também vira uma norma. E isso traz ainda o que é conhecido como S.A.D., Seasonal Affective Disorder, que é uma forma de depressão.
Esse ano a cervejaria BrewDog fez uma campanha de cerveja pra ajudar as pessoas que sofrem de S.A.D. de tão grave e comum que isso é na europa como um todo (talvez não tanto na parte sul como Grécia, Itália e Portugal). Os lucros arrecadados serão destinados ao tratamento dessa desordem e doenças mentais.
https://www.brewdog.com/uk/iamwhole
A primeira coisa que temos que fazer pra combater o S.A.D. é aumentar a dose de vitamina D, aquela que conseguimos pelo sol. Aqui é item obrigatório entre meados de setembro até meados de março ou até mesmo abril. Adultos e crianças. Mas mesmo não tendo S.A.D., os efeitos do pouco sol fazem-se sentir logo mesmo com a vitamina D extra: cabelos caindo e unhas quebrando. Mesmo os animais de estimação perdem bastante pelos durante o inverno, a ponto de eu achar que consegueria montar um gato a mais por mês com tanto pelo que o roomba coletava (roomba, o robôzinho que varre o chão).
Além do pouco sol, insônia, cabelos caindo, unhas quebrando ainda existe um outro problema com o inverno que é a pele. A pele sofre e muito com o clima frio, que é muito seco. Então uma das coisas que temos de abandonar aqui até certo ponto é banho. É comum ouvir falar de gente que foi ao médico ver uma irritação na pele que estava ficando vermelha, meio esfolada, e o médico perguntar "está tomando banho todo dia?". A água aqui tem muito calcário, tanto que deixa umas manchas brancas por onde seca. Essa mesma água usada diariamente vai deixando a pele cada vez mais seca. Ao ponto de exigir usar cremes hidratantes.
Eu costumo ou usar esse creme, que não tem cheiro e é bom pra quem é alérgico a quase tudo como eu, ou uso um Dove cream shower após tomar banho. E tem quem tome até dois banhos por dia e não tenha esses problemas de pele. Mas quem não cuida e insiste pode desenvolver o que é conhecido como "alergia ao inverno", que é o pior ponto onde pode-se chegar. Essa alergia é uma eczema da pele que fica irritada com qualquer coisa sintética. Então imagine como é terrível enfrentar de 5 a 6 meses de inverno sem poder usar uma jaqueta. E o uso de roupas de algodão, que é a única coisa possível de usar quando se está com a pele assim, têm o incoveniente de perder muito calor. Ao suar, a roupa de algodão fica molhada e não seca, tanto que não é recomendado seu uso.
Então parte do ritual de enfrentar um inverno tão longo é acostumar a usar roupas que permitam que sue, mas o suor fique isolado fora do corpo e ainda assim te mantenham aquecido. Por conta disso as roupas de inverno não cheiram lá muito bem pra narizes recém chegados. Claro que com o tempo a gente acostuma.
Só uma curiosidade sobre os próprios suecos. Como eu costumava ir trabalhar de bicicleta mesmo durante o inverno, claro que dividi vestiário com vários colegas e pude notar seus hábitos quanto ao banho. Existiam alguns que só se enxugavam o suor e colocavam a roupa de trabalho (porque aqui tem de usar uma roupa própria pra pedalar durante o inverno), mas a grande maioria tomava o "banho sueco" que é basicamente entrar no chuveiro e só passar um água rápida. Menos de 5 minutos. Sem sabão. Sim, deixar a pele oleosa. Isso ajuda a pele a sobreviver à rotina do inverno.
Eu comentei acima que dentro de casa as temperaturas são de 21 à 25°C. Recomendam então usar pouca ou nenhuma roupa dentro de casa pra justamente a pele respirar. Por isso é tão comum ver gente andando pelada nos apartamentos no centro da cidade. No começo você acha engraçado e fica um pouco envergonhado com isso, mas depois de um tempo você vira mais um dos pelados andando pela casa.
Mas e a parte legal, de esquiar, patinar no gelo, bonecos de neve, etc?
Claro que isso existe. E é bem divertido. Mas em geral só é possível um ou dois dias depois que nevou, ou em alguns parques enquanto a temperatura ficar abaixo de zero e não tiver muito sol, o que é comum durante o inverno. Nos locais de muita circulação a neve vira uma lama que suja tudo por onde se anda (e daí o hábito na Suécia de não se usar sapatos dentro de casa, nem as visitas).
Esquiar já é algo diferente. Eu nunca fiz, mas as estações de esqui ficam em sua maioria em locais onde a neve cai o ano inteiro. Então é mais ou menos ter vontade de ir lá fazer. Eu até hoje não fui, mas algum dia tento. Quero experimentar o snowboard.
A neve dá uma alegrada na escuridão nórdica, mas por outro lado cria o problema de que escorrega. E muito. O sol bate na neve, que reflete a luz e aumenta a troca de calor. A parte de cima da neve esquenta e derrete. Mas assim que o sol se vai, essa parte de cima congela novamente e vira gelo. Uma área gigantesca de gelo. E no escuro. Os carros e mesmo as bicicletas aqui usam pneus de inverno, que em geral têm cravos de metal pra segurar nesse gelo. Mas não os sapatos. Aliás até tem umas garras que podem adaptar nos sapatos pra andar no gelo, mas é complicado andar com aquilo por aí. Se for ao mercado por exemplo, na rua estará super seguro de escorregar no gelo mas ao entrar no mercado o piso liso vai fazer você escorregar. Então não é algo muito prático pra se usar durante todo o inverno. Talvez pra uma caminhada nos bosques. Então durante o inverno é comum as pessoas caírem e quebrarem braços, pernas, pulsos, etc. Imagine você ter caído num inverno e quebrado a perna? E imagine o medo de acontecer de novo. E ter 6 meses de inverno todo ano.
Em lugares mais urbanos como o centro da cidade é comum passar um tratorzinho nas calçadas limpando a neve e o gelo. O mesmo acontece nas ruas e vias de bicicletas. Claro que eles não limpam o tempo todo. Vez ou outra, numa tempestade forte de neve, fica tudo coberto de neve, que é onde fica o perigo de escorregar e cair. Outro perigo é a neve ou gelo acumulado nos telhados de prédios. Existe o risco de um pedaço grande cair na sua cabeça, assim como aqueles pingentes de gelo que ficam nas beiradas. A recomendação é não andar perto das paredes pra evitar isso. Mas todo ano morrem pessoas assim.
E a roupa de inverno? Todos os lugares onde frequentamos têm aquecimento, e por isso não usamos tanta roupa pra segurar o frio como no Brasil. Geralmente uma boa jaqueta basta. Só que essa jaqueta será seu melhor companheiro por 6 meses por ano. Bom... talvez nem tanto. Frio mesmo faz normalmente em janeiro e em fevereiro. Então digamos de 2 a 3 meses. Mas nos outros meses está frio, abaixo de 10°C. Enquanto uma boa jaqueta dá conta do recado, a maioria tem jaquetas de meia estação, que é também meu caso. São jaquetas que aguentam bem até uns -1 ou -2 °C. Abaixo disso, daí sim a jaqueta de inverno. E não dá pra lavar essa jaqueta a cada uso porque ainda mais no inverno não vai secar tão rápido e sair com jaqueta úmida por dentro não é lá uma boa ideia. Lembram que comentei do cheiro da roupa aqui? Pois é...
Aqui é comum ter muitas promoções boas de roupa de inverno no começo da primavera, por volta de março e abril. Foi quando comprei essa jaqueta da foto. Meu único arrependimento dessa jaqueta foi ter escolhido o branco. Agora ela está toda encardida e não tem jeito de tirar.
Quando cheguei do Brasil eu sentia muito frio em temperaturas de 5°C pra baixo. Eu usava uma camada a mais de roupa, a tal segunda pele ou camada básica. Essa é uma malha a mais de algodão ou sintética, que ao contrário da roupa pra exercício pode ser de algodão (desde que não sue muito nela). Depois de alguns anos morando aqui eu já não uso tanto até temperaturas até -5°C. Só a calça jeans já tá bom o suficiente. Mas isso também depende de quanto tempo estarei fora de casa. Se for pra como por exemplo andar até à praia, onde tirei a foto do início do artigo, com certeza uso sim. São uns bons 30 a 40 minutos de caminhada na neve até chegar lá. E a calça jeans só não segura o frio assim por tanto tempo. Pra ir pro trabalho de transporte público? Só a calça jeans mesmo.
Vendo essa perspectiva de como funciona a vida no inverno aqui, acho que fica claro o motivo do Linus Torvalds ter criado um kernel. É o que se tem pra fazer aqui durante o inverno. Eu tento passar o tempo fazendo pizzas, pães, e cerveja. Jogando PlayStation com os amigos e atualizando aqui o blog. Mas mesmo assim... o inverno é longo. Não acho que consigo criar um kernel, mas tenho feito muitas outras coisa. E dá pra entender o porquê do R. R. Martin usar a Suécia como referência em seus livro do game of thrones. Aqui a gente sempre sabe que o inverno está chegando...
Caso não tenha lido os artigos anteriores:
Como bom brasileiros, nascidos na burocracia, estamos acostumados a ter vários números pra diferentes finalidades. CPF pra coisas relacionadas com imposto, RG pra identidade, certificado de reservista, cartão eleitoral, etc. E cada um com um número qualquer que temos em geral de memorizar.
Na Suécia sua vida toda é ligada ao que é chamado de "personnummer", ou "personal number" em inglês, ou número pessoal na boa e velha língua tupiniquim. Ele é composto de <ano em que nasceu><mês em que nasceu><dia em que nasceu>-<4 dígitos aleatórios>. Algo como YYYYMMDD-ABCD. Simples assim.
O ano de nascimento pode ser usado tanto o formato YY como YYYY. Nos documentos aparecem no formato YY, mas quando recebe seu número, via carta, ele vem no formato do ano completo com 4 dígitos, YYYY.
E com esse número baseado no seu aniversário você faz tudo: vota, tira carteira de motorista, faz o imposto de renda, vai ao médico, contrata serviços pelo telefone, etc.
De posse do número, você pode tirar a sua carteira de identidade de estrangeiro residente.
A moçoila bonita da foto nasceu em 12 de junho de 1970 de acordo com seu "personnummer". Existe um número gigantesco no topo à esquerda, o "kortnummer", que é "número do cartão", mas esse não é usado pra nada.
O mesmo formato aplica-se pra identidade de quem é cidadão sueco.
A diferença dessas identidades é que a primeira é emitida pelo skatteverket, órgão responsável por cobrar os impostos e também de registro civil, e o segundo, pela polícia. O cartão emitido pelo skatteverket tem mais a aparência e formato de um cartão de crédito comum, enquanto que a carteira emitida pela polícia é um papel plastificado num plástico rígido.
Existe também a carteira de motorista, emitida pelo trafiksverket, órgão responsável controle e regulamentação de tráfego.
A carteria de motorista, körkort em sueco (kör - dirigir, kort - cartão), tem a data de nascimento no campo 3 e o número pessoal no campo 5, que mostra a mesma data em formato invertido e mais os 4 últimos dígitos aleatórios/verificadores (parece que os 2 últimos são os verificadores). Aqui dentro da Suécia a carteira de motorista serve como identidade. Tanto que só ando com ela na carteira.
Nas viagens que fiz aqui pela europa, a maioria dos aeroportos aceitou só a carteira de motorista pra embarcar. Exceção foi o aeroporto internacional de Lisboa, que exigiu meu passaporte.
O ponto interessante aqui é que seu nome não diz muita coisa. Quem o define é seu número pessoal. Então qualquer pessoa pode ir ao skatteverket, onde está o registro civil, e mudar seu nome quando quiser, quantas vezes quiser e pro que quiser. Parece simples, não? E realmente é.
Claro que alguns podem argumentar que um sistema simples desse pode levar a um maior monitoramento de sua vida e atividades privadas. Eu diria que sim. Mas acho que benefício de ter um só número significativo pra tudo na sua vida compensa isso. A menos que você seja um despachante.
Eu acabei quebrando minha promessa de ano novo de postar aqui semanalmente durante os últimos meses. Mas tenho uma boa justificativa. Eu escrevi um artigo pra Revista Espírito Livre, fiz duas palestras na Latinoware, organizei a PyCon Suécia, organizei a hackathon na firma e fiz uma última palestra pra Tchelinux.
Muito disso ainda não foi publicado. Quando aparecer, com certeza crio um post sobre o assunto.
Mas entre o que já foi publicado está a palestra sobre carreira na Latinoware.
Foquei mais nas perguntas que geralmente aparecem no grupo do telegram. E, claro, tinha mais assunto pra falar, mas vou guardar pra outra oportunidade :)
Se você chegou agora e está perdido com o título, leia o primeiro artigo:
Países considerados os mais felizes do mundo escondem problemas graves
Pra você que leu e talvez não tenha ficado claro o motivo de eu abordar as fotos nas revistas no primeiro artigo: eu tentei mostrar que existe uma exigência de padrão de beleza bem menor que em países como o Brasil. Aqui cada um veste o que quiser e do jeito que quiser. E, claro, isso contribui pra felicidade da população.
E agora vamos falar um pouco das crianças. Falar sem ver. Por quê? Porque a maioria dos lugares que eu adoraria mostrar não permitem fotos. Tive de recorrer ao Google Maps para pegar algumas, mas as partes mais legais não aparecem porque em geral as escolas ficam dentro de parques.
Primeiramente que escola é obrigatória aqui. A partir dos... acho que 6 anos (mas posso estar enganado, então pode ser que seja aos 7). Começa no förskola (fer-is-cuo-la), ou primeira escola (primário), e depois vai do 1° ao 9˘ ano. A partir daí é o colegial de 3 anos. A escola em geral é gratuita, paga pelos impostos, mas descobri recentemente que alguma escolas internacionais em inglês são pagas. Existem escolas em inglês que não são pagas, mas essas têm filas de 4, 5, e até mais anos. Em geral é uma boa a escola em sueco pra criançada pegar o idioma, mas isso vai da decisão dos pais e suas possibilidades.
Independentemente de onde morar, é obrigatório a cidade oferecer uma vaga em até 3 meses na escola sueca. Isso pode ser doloroso se estiver com aluguel de moradia curta de 6 meses, que é meio que regra aqui (e isso é muito ruim).
Na escola são dados materiais didáticos como cadernos, livros e canetas ou lápis. Então basicamente você só precisa deixar a criança na escola e buscar depois. Sobre o horário, muitas escolas abrem por volta das 6:30 da manhã, pra permitir aos pais que trabalham ou longe ou nesse horário pra ter onde deixar as crianças. Pra buscar pode ser até às 7:30 da noite. Mas se não me engano isso é de algumas escolas e o horário obrigatório é às 06:30 da tarde. Na escola recebem alimentação pra ficar o dia inteiro. E já esquecia desse ponto: as escolas são o dia todo.
Além das aulas normais como de língua e matemática, nas escolas têm também aulas de culinária, marcenaria e costura. Não aquela maravilha, mas vez ou outra sai umas pizzas de forno (pão árabe, molho de tomate, presunto e queijo). É comum também a escola levar a turma toda pra passeios em fazendas com animais. Por quê? Pra conhecerem os animais. Então eles brincam com os coelhos, correm das galinhas e dão comida pros pôneis. A escola também os leva pra aproveitar as piscinas indoor durante o inverno e a outdoor, que é bem rasinha, no verão. Tem também passeios durante o inverno pra patinarem no gelo e, no ponto mais central, até esquiarem (existe um morro famoso aqui no centro que permite isso e não é muito alto). Na escola ainda eles têm direito a 1 hora de aula da língua materna por semana.
Pra deixar bem claro: não é escola com aulas o dia todo, mas pra ter onde deixar as crianças. A escola começa por volta das 8:30 e termina por volta das 14:00. Alguns dias um pouco mais tarde, em outros um pouco mais cedo. Desde o começo já aprendem a andar pela cidade. Todas as atividades são ou nos parques ao redor das escolas ou em museus que em geral ficam em algum lugar distante, mais central, ou ainda nas tais fazendo que mencionei acima. Então as crianças desde pesquenas são orientadas em como usar o transporte público. Que é gratuito até os 8 anos. E depois? Continua gratuito pra maiores de 8 anos que precisam pegar transporte público pra ira à escola. Eles oferecem um cartão que não paga nada até às 7:30 da noite durante a semana. E, claro, o transporte de estudantes custa mais barato que o passe normal, caso precise comprar passagem pro fim de semana.
Em geral as escolas são próximas das residências. Ao ponto das crianças irem sozinhas já com 7 ou 8 anos. E eles incentivam isso. Quando chegam numa certa idade, do ginásio, daí são escolas maiores e geralmente poucas por bairros. E assim as escolas vão afunilando a localização conforme a criança vai crescendo. É comum ver jovens indo pra escola de bicicleta. Pra mostrar um pouco das escolas, vou recorrer ao Google Maps pelo motivo que já coloquei logo no começo do artigo: privacidade das crianças e adolescentes.
E antes que me esqueça, aqui tem também uma bolsa pra cada filho melhor. É chamado barnbidrag e vem metade pro pai e metade pra mãe, mesmo sendo casados. Pra, no caso de separação e/ou divórcio, ficar tudo mais fácil. É como uma bolsa família mas com a diferença de que todo mundo recebe, independentemente se sua renda mensal precisa ou não. Não é um valor alto, por volta de 100 euros, mas é um dinheiro da criançada pra gastar com a criançada.
Bom... já descrevi da escola, mas onde está a parte relevante? Onde está a parte que a Suécia esconde?
Aqui é comum ver as crianças, quando mais jovens, irem vestidas... como quiserem. Meninos vão de vestido e meninas vão de vaqueiro. Não existe um "menino usa azul e menina usa rosa", que é até considerado sexismo por aqui. Tanto que uma loja de brinquedos viu-se no meio de uma discussão sobre sexismo ao separar os brinquedos em sessões "de meninos" e "de meninas".
E como foram as escolas durante a pandemia? Certo ou errado, a Suécia manteve a decisão de permanecer com escolas abertas até o 9° ano, pois o argumento foi de que era preciso manter as crianças na escola pros pais que trabalhavam na linha de frente pudessem continuar trabalhando. Apenas os jovens do colegial passaram a ter aulas remotas. E, claro, cada um recebeu um laptop pra poder participar das aulas. Nas universidades também as aulas passaram pro modo remoto, mas não sei dizer se receberam um laptop pra isso ou não.
Tá certo... mas isso não explica a reclamação dos pais moçambicanos, não é mesmo? O que acontece aqui é que a Suécia trata cada criança como uma cidadã desde pequena. Ao contrário de países como Brasil, onde os pais é que são seus guardiões, aqui o estado representa a criança e seus interesses. Inclusive contra os próprios pais, se for o caso. Então se um pai abusivo entrar em casa e bater numa criança, ou jovem, pode ser denunciado por esse à polícia. É uma noção bastante estranha pra nós brasileiros, mas com o tempo você acaba acostumando (ou então volta pro seu país).
Existe uma discussão sobre a Suécia estar criando pequenos ditadores nesse sentido. Mas eu diria que isso é um estigma de quem vem de fora e quer criar caso. Ninguém comenta do sistema de ensino, das escolas gratuitas e só olham pra esse lado. Claro que é mais fácil apontar pra um defeito, mas esquecer tudo mais que se ganha aqui?
Leva-se um tempo pra acostumar com as regras daqui e passar a tratar os filhos como... cidadãos. Então como qualquer outra pessoa, você tem de sempre negociar. Não vai tomar banho? Não tem Internet. Não vai pra escola? Não tem youtube. E por aí vai. Não, não é tarefa fácil, como atestam os moçambicanos.
Mas falar de brasileiros ou moçambicanos pode até dar a ideia errada sobre o que está por trás disso. O que acontece é que nem todo mundo compartilha os valores europeus. E pra estar aqui, deveriam adaptar-se. Então as famosas mutilações de genitais, praticadas em vários países do mundo, não é permitida aqui. A criança pode denunciar os pais por tentarem fazer isso e pode ser direcionada pra viver com sob guarda do estado.
Estranho uma criança tendo direitos, não é? Mas não devia ser. Aqui não é.
Então recebi assim, sem muita cerimônia, a reportagem da Record sobre a Suécia. Países considerados os mais felizes do mundo escondem problemas graves. O título já é um grande bait. A coisa toda vai de mau a pior. É um monte de bobagens juntas com vários estereótipos juntos.
Fonte: https://recordtv.r7.com/domingo-espetacular/videos/paises-considerados-os-mais-felizes-do-mundo-escondem-problemas-graves-16082021
Não é a primeira vez que recebo algo assim e provavelmente não será a última. Minha sensação é que pra esconder a atual situação, que eles ajudaram a chegar com várias reportagens de apoio ao atual presidente, ficam despejando esse conteúdo de vira-latas. Algo pra dizer "olha como não somos só nós que estamos mal, e eles escondem muitos problemas". Claro que existem problemas aqui, mas não como no Brasil.
Então vou escrever um pouco mais sobre a Suécia e tentar mostrar pelo menos outro tipo de visão da coisa.
E escolhi escreve sobre... propaganda! Sim, propaganda.
Aqui usa-se muito a imagem das pessoas como elas são, sem muita maquiagem, nem sensualização. Então não é um povo que vê sexo em tudo que vê, nem leva tudo pra um lado erótico. Pelo contrário.
Uns exemplos tirados de revistas. Nesse primeiro temos uma mulher... trocando o pneu. E duvido que seja apenas pra aparecer na capa da revista. Aqui a igualdade é levada ao extremo é comum ver mulheres trabalhando em empregos que tipicamente temos somente homens no Brasil, como construção civil.
Essa é a revista do sindicato. Eu sou sindicalizado aqui e faço parte do Unionen, um dos maiore sindicatos da Suécia. Na capa da revista é possível ver outra mulher e... nada de pose sensual. Pouco maquiagem. Apenas ela. E não é só nas revistas. Normalmente as mulheres aqui não usam muita maquiagem. Nem vestem-se de maneira muito chique.
Essa parte interna da revista tem uma propaganda com essa mulher acidentada. Novamente nada de maquiagem, ou ao menos que possa mostrar sensualidade. Se não me engano era um anúncio de seguro.
Um artigo sobre uma fazenda de animais ou algo assim. Notem novamente a pessoa na foto. Sem muita maquiagem e com roupas simples.
Agora uma reportagem interna sobre um treinador de futebol pra crianças. Novamente uma pessoa como ela é: sem roupas marcantes, sem ser aquele sueco super sensual e fortão. Apenas uma pessoa com cara de gente boa e fazendo algo que inspira outros a fazerem igual.
E essa bela foto dessa vovó simpática então? Novamente pouca produção e a pessoa mais próxima do que realmente é em seu cotidiano.
Aqui mais um homem, desses que a gente se identifica. Não aqueles deuses nórdicos que a mulheres acham que vão ver o tempo todo na Suécia. Esse sim um típico sueco.
E mais uma foto de propaganda na revista. Agora de um casal em posição de... nada. Apenas olhando o telefone juntos. Ambos usando roupas comuns e ela com um pouco de batom. E só. Bem simples, e bem cotidiano.
A última foto de mulher nesse artigo. Sem muita maquiagem e cabelos no mais natural possível.
E finalmente a capa da outra revista que mostrei a parte de dentro, o guia de saúde que recebemos a cada 3 meses. Novamente um homem sueco com cara de sueco mesmo. Simples, de óculos, com apenas uma blusa e nada estravagante.
Acho que até aqui já foi possível entender como as coisas funcionam aqui. O que existe no Brasil como normal em termos de propaganda com certeza seria tido como vulgar aqui. Eu mesmo depois desse tempo todo já vejo como vulgar, imagina então eles? E esse zen de vestir-se e viver de forma simples está em todo lugar. Algumas pessoas vão pra empresa de terno, mas maioria não vai. Aliás não existe um "dress code". Veste-se o que quer e como quer. Eu até acredito que é possível ir com a cueca por fora da calça que ninguém vai falar nada.
Então a Suécia figura como um dos países mais felizes do mundo. Um dos motivos é esse: simplicidade. Em tudo.