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Como o verão foi realmente muito, muito, mas muito bom, eu acabei escrevendo pouco.  Então vamos retomar aqui a série falando da Suécia e descrevendo o sistema de saúde daqui.

O sistema funciona com um médico do bairro.  O posto de saúde é chamado vårdcentralen (vórdicentralen) e você ou vai até ele e faz um cadastro lá, ou faz online através do 1177, que explico melhor mais pra baixo.  Nesse médico do bairro você geralmente é designado pra um médico e esse médico vai cuidar de tudo de você.   Então não é um médico especialista, mas um generalista que olha o que você tem e termina o atendimento em 10 ou 15 minutos.  Então se tem dor no lado esquerdo do peito e acha que é coração, não vai pra uma cardiologista, mas vai pra esse médico que vai iniciar o tratamento.  Talvez receite remédios, mas pode outras vezes receitar somente exercícios.  No caso de ser algo mais complexo ou mesmo o tratamento não der o resultado esperado, esse médico vai te passar pra um especialista.  Pode ser na mesma clínica do bairro ou num lugar especializado, dependendo do caso.  Esse médico especialista aí sim já é um cardiologista, ou o que for referente ao tratamento que precisa.

O sistema de saúde então funciona de forma a desafogar os especialistas de atenderem casos que podem ser tratados com remédios mais simples ou que nem mesmo são para eles.  Segundo que barateia o acesso à saúde.  E quanto é esse acesso?  É gratuito?  Não.  Para crianças e jovens até 21 anos o médico é gratuito (ou pago pelos nossos impostos como todo liberal gosta de apontar).  Depois dos 21 anos você paga uma quantia por consulta.  Atualmente está 250 coroas suecas cada consulta.  E existe um teto, que deve ser por volta de 2500 coroas suecas (não tenho certeza dos valores atualizados).  Acima desse teto o governo cobre o tratamento.  Então você tem literalmente que pagar 10 idas ao médico por ano e acima disso (um tratamento crônico) sai de graça (liberal já se doendo de mim).  Nem todas as clínicas são 250 coroas.  Algumas são mais caras.  Eu fui numa especializada em olhos quando arranhei meu olho na máquina fotográfica (longa estória que é melhor contar com cerveja junto numa mesa de bar) e cobraram na época 400 coroas.  Mas o teto mantêm-se.  E nos tratamentos possíveis inclui-se psicólogos por exemplo.  Então fazer terapia aqui custa no máximo 2500 coroas por ano.

Existe também uma ajuda governamental em relação aos remédios.  Se você faz uso do medicamento extensivamente, vai ficando barato até atingir também esse teto anual, mas é um outro valor e não tenho ideia de quanto é.  Mas existe (e eu felizmente nunca cheguei lá).  Então se está aqui com alguma doença como alergia, saiba que comprar remédios sem receita na farmácia podem custar muito mais que comprar com receita.

E como compramos com receita?  Aqui tudo é digitalizado.  Então você só mostra sua identidade na farmácia e pelo seu "personal number"  eles olham o que pode pegar de remédio.  E cada remédio recebe uma etiqueta com seu nome, nome do médico responsável, e farmácia onde comprou.  Então pode ser traçado pra origem no caso de viagem pela Europa com o remédio.  E não existe a menor possibilidade de comprar um remédio que alguém precise no Brasil porque aqui é mais barato.

Passando de médico do bairro pra emergências, existem os hospitais.  Mas ir direto pra emergência, akutmottagningen, pode não ser uma boa solução.  A emergência aqui é para somente... emergências mesmo.  Estar realmente morrendo.  Chegar lá com um corte ou tosse pode fazer com que aguarde de 4 a 8 horas por um atendimento.   Até então eu não tinha outra ideia sobre emergências aqui até uma das crias sofreu um acidente na escola e tive de ir lá pra pegar e levar pra emergência.  E na escola informaram que  eu deveria não ir pra emergência, mas pra um "pronto socorro" que é o näravårdcentralen.  E realmente o atendimento foi rápido: coisa de 15 minutos.  E como era pra criança, não houve cobrança (chora liberal, chora).

Mas esse é o sistema de bairro. E existe o sistema nacional, que mencionei no começo: o 1177.  Como o nome parece, 1177 é o número de telefone pra ligar e falar com o sistema de saúde.  É possível ligar pra tirar dúvidas ou perguntar o que fazer em caso de emergência.  Ficam disponíveis 24x7.  E existe o site, o https://1177.se que pode ser acessado pra tirar as mesmas dúvidas ou acerta seu cadastro.  É onde você cadastra em qual posto de saúde quer ser tratado.  Pode ser qualquer um, desde o mais próximo de sua residência, até o mais próximo do trabalho caso ache mais conveniente ir ao médico durante o período de trabalho.  A vantagem do telefonema ao 1177 ao invés do site é que você consegue um atendente que fale inglês enquanto que o site é somente em sueco.

E como são os atendimentos aqui?  Você tem direito a um tradutor no seu idioma.  E é gratuito (chora liberal, chora).  Ele vai lá e fica falando com o profissional de saúde e traduzindo tudo.  No começo eu cheguei a usar até ficar confortável com somente inglês.  Mas mesmo assim é sempre bom perguntar antes se o médico sabe inglês.  Houve casos em que precisei pedir tradutor (geralmente com médicos que vieram de outro país e falam só sua língua e sueco).   Eu não sei como funciona atualmente via vídeo conferência, mas acho que o tradutor também entra na conversa.  E falando nesse assunto, aqui já é bem comum ter os tratamentos via vídeo conferência.  Você conversa com o médico, que se precisar de exames apenas diz onde deve ir pra fazer a coleta.  E claro que o médico deixa a opção de encontrar em pessoa com você, mas eu já não vou a um consultório faz uns 3 anos.

Antes da pandemia já existiam alguns apps dedicados pra esse tipo de serviço como Kry e Doktor.  Mas com a pandemia as vídeo chamadas com o médico virou o lugar comum.  E pra pedir mais medicamento não é preciso nada disso: você pode entrar pelo 1177.se e escrever que precisa de mais receita pra um remédio que faz uso.  E o médico olha online e adiciona pra você.  Sem custo.

E vou contar um caso do médico aqui que passei logo que cheguei na Suécia.  Nessa época eu estava em um apartamento alugado com móveis, e a cama não era das melhores pra mim.  Aqui é comum o colchão ser extremamente mole, de afundar dentro dele.  E isso causa uma dor terrível nas minhas costas.  Então marquei o médico, fiz o primeiro atendimento que passou pro especialista.  Daí disseram que por ser especialista, iria demorar mais pra marcar.  Quanto tempo?  2 semanas.  Eu tive de me segurar pra não rir.  Mas chegado o dia do atendimento com o especialista em ortopedia (o médico não era do posto de saúde, mas foi até lá só pra ver meu caso), eu fui esperando o médico pedir um raio-x, tomografia, etc e ele somente disse pra eu trocar o colchão e pedir na empresa uma visita do especialista em ergonomia, que é algo obrigatório em empresas grandes aqui pelo que entendi.  E passou alguns remédios caso eu sentisse dores novamente e era pra remarcar dali 1 mês se as dores continuassem.  Eu sai da consulta em completa descrença da coisa toda.  Mas eu sabia do problema do colchão no apartamento em que estava.  E marquei a visita da pessoa de ergonomia da empresa.  Essa visita foi a mais interessante.  Depois de uma análise de como eu trabalhava sentado e em pé (as mesas aqui têm regulagem de altura, inclusive essa que tenho em casa), a pessoa disse que eu tinha um problema de postura ao sentar.  Eu sentava meio inclinado e de um jeito que minhas costas faziam um "C" na cadeira.  Daí ela me explicou como regular minha cadeira, que parece feita pela NASA de tantos botões e alavancas, e mostrou que o correto é trabalhar com as costas completamente retas, pra lombar sustentar o peso. E... não preciso de muito spoiler mas esse era o problema (e por isso que recomendo cadeiras gamers em que as costas ficam retas).

Tem quem diga aqui que o sistema médico é muito lento por passar por tantas etapas pra chegar num especialista, mas é um sistema que funciona.  Tem lá seus problemas, como o fato dos médicos todos desaparecerem durante o verão e coisas mais complexas como cirurgias levarem quase 1 ano pra serem feitas, mas é um sistema acessível e que funciona.  Existe também o problema de que fora dos grandes centros, o acesso a um médico especialista é quase impossível.  E foi um dos grandes temas durante as últimas eleições, então acredito que mudanças virão pra melhorar.  Eu, de minha parte, gosto do sistema e tem me servido bem.