Esse é um artigo meio que requentado. Eu o preparei no ano passado pra uma edição da Revista do Espírito Livre sobre a pandemia que no fim nunca foi lançada. O que descrevo é um retrato de como estava a situação da Suécia na época. Estamos em 2021 e muita coisa mudou. E pra pior. Mas isso eu deixo pra comentar mais pra frente em outro artigo.
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Não acompanho muito de perto como está a pandemia no Brasil. Mas vejo pelas notícias que chegam por aqui que está uma bagunça geral e que em certos pontos citam a Suécia como referência. E não só no Brasil: nos EUA também vejo muitas pessoas citando a Suécia como exemplo, no início como bom, e ultimamente como mau.
Eu já vivo no coração da escandinávia, em Estocolmo na Suécia, mais de 5 anos e vou descrever um pouco de como foi e está sendo enfrentada a pandemia por aqui, como as coisas mudaram, como tudo foi afetado. Vou aproveitar o parágrafo pra pedir desculpas pelos ângulos das fotos. Todas foram tiradas de uma câmera gopro que uso em meu capacete quando estou andando de bicicleta. E como é um bicicleta road, o ângulo sai um pouco pra baixo.
A Suécia não decide sua política pública de saúde por meio de ministros ou governo. Existe uma autoridade de saúde que publica os fundamentos das políticas a serem adotadas e todos seguem. O governo poderia ir contra o que é recomendado mas essa autoridade é composta por epidemiologistas especialistas. A cara do órgão é Anders Tegnell, epidemiologista reputadíssimo que chefiou inclusive equipes na luta contra ebola. É ele quem geralmente aparece no relatório diário que é feito sobre a evolução da epidemia. Não somente ele, mas a equipe que trabalha lá decide quais são as medidas adotadas por aqui.
Mas nem tudo são flores. Muitos outros cientistas, também renomados, são contra as medidas adotadas aqui. E chegaram mesmo a fazer uma carta pública contra Tegnell. Mas aparentemente aqui a ciência fala mais alto e ele continua sendo o chefe por lá.
Entre as decisões tomadas pra conter o avanço da doença, foram decretadas as seguintes medidas: distanciamento social, creches e escolas primárias abertas, restaurantes e bares só atendem clientes sentados em mesas e existem espaçamentos de 1 mesa entre cada mesa, que trabalhem de casa os que puderem, completo isolamento de asilos, e permitidos agrupamentos com menos de 50 pessoas.
Essas medidas parecem simples e fogem do padrão de lockdown que muitos outros fizeram como solução, como foram os casos da Espanha e da Itália. O argumento aqui foi que não existe nenhum estudo comprovando a eficácia do isolamento, que uma vez tendo as pessoas novamente em circulação, o vírus espalhará como faria normalmente e que as pessoas não são estúpidas. Todos entendem que há uma pandemia lá fora.
Isso resultou em ruas vazias. Muitos pequenos negócios estão falindo, inclusive restaurantes e bares que podem ficar abertos. As ruas costumam ficar desertas. O empreendedor que dirigia táxi ou uber está praticamente sem trabalho. Serviços como cabeleireiros estão vazios. Lojas estão às moscas. Não declarar lockdown não foi o que salvou o comércio aqui. Pra amenizar os efeitos econômicos da pandemia, o governo editou uma série de pacotes de ajuda, como pagar 40% do salário de quem teve o número de horas trabalhadas reduzidas, sendo a empresa arcando com 50% e os 10% restantes seriam por conta do trabalhador. E até mesmo o pagamento de financiamento de casa pode ser suspenso por mais de 1 ano.
Mesma rua, um pouco à frente da foto anterior. Algumas pessoas nas mesas de fora, o que dá a sensação de estar cheio, mas são apenas essas pessoas. Dentro o bar estava vazio.
Como não estamos em lockdown o governo recomenda que todos saiam de casa pra fazer exercícios e aproveitar o sol, que é uma coisa rara na Suécia e costuma sumir por longos 4 meses de pesado inverno. O ponto que levam em questão é que para saúde mental é importante as pessoas manterem hábitos saudáveis como andar pelos parques, andar de bicicleta ou correr. E muita gente segue essa recomendação por aqui, inclusive eu.
E quem olhar bem atentamente pras fotos vai perceber que não há quase ninguém usando máscaras. Esse é outro ponto controverso, mas a autoridade de saúde diz que não há comprovação da eficácia do uso de máscaras contra o COVID-19. Por favor não enviem mails ou mensagens me xingando ou links pra artigos que dizem o contrário. Eu não sou a autoridade sueca, que conta com médicos especialistas em doenças infecciosas. Mas em geral é o que acontece quando comento esse item.
Qual o resultado pra essa política? Até agora o número de mortos é muito acima dos outros países nórdicos, mas todos implementaram lockdown. Esse é o grande drama do modelo sueco: as pessoas não estão enclausuradas em casa, mas isso fez com que o número de mortos fosse grande. Um dos maiores do mundo (estamos chegando ao número de 5 mil mortos com o número de mortos por dia caindo). O argumento é que não faltaram leitos em UTI pra essas pessoas, o que é verdade. Houve preparo com até hospital de campanha sendo criado em 2 semanas, e que foi desmontado recentemente por falta de uso. No pico da contaminação da doença o número de leitos utilizados foi por volta de 500 dos 1500 disponíveis. Atualmente esse número é abaixo de 400. A taxa de mortalidade do vírus é muito alta em idosos, que foi onde a Suécia admite que errou: deveria ter bloqueado acesso aos idosos desde o início. E treinado melhor os funcionários de asilos, pois há relatos de que muitos foram trabalhar sem equipamentos de proteção adequados e mesmo alguns com sintomas de gripe.
Outro ponto que as estatísticas mostraram foi que os mais afetados em sua maioria eram idosos de famílias de imigrantes. A teoria é de que ao contrário dos suecos, existem pessoas de diferentes idades vivendo na mesma residência e isso permitiu o espalhamento da doença mais facilmente entre esses avôs e avós que viviam com os netos na mesma residência. Nesse ponto traçam um certo paralelo com o que aconteceu na Itália, onde dizem ser algo parecido em termos de moradia.
Ao contrário dessas famílias, o povo nórdico gosta de viver sozinho. O índice de pessoas que vivem só é algo em torno de 56% da população. Bom… não posso nem reclamar pois sou praticamente parte dessa estatística.
Escrevi bastante sobre o corona vírus e como a sociedade nórdica tem enfrentado o mesmo, mas não escrevi nada sobre software livre. Dos eventos que eu em geral participava, todos viraram online ou serão online. Das atividades que teríamos, como hackathons, todas ou foram online ou foram canceladas. Eu sou do board de organização da PyCon Sweden e esse ano já definimos que será online, e copiado como foi feita com a bela experiência da conferência Pyjamas, criado no Brasil. Mesmo que por milagre a doença amenize, ninguém acredita que as todos se sentirão seguros em estar em um aglomerado com 200 a 500 pessoas juntas. Não esse ano. E talvez nunca mais.
Como nossa organização sempre foi online, pouca coisa mudou. Mantemos nossas reuniões bi-semanais por conferência via browser e salvamos as minutas no github. Usamos o telegram pra conversas rápidas e mesmo manter os interessados na conferência a par do que está sendo feito.
E seguimos em frente.
Então acho que era isso que eu tinha pra descrever sobre como estamos enfrentando a pandemia aqui na Suécia. A receita parece simples, mas por aqui as coisas são levadas à sério. Então se quiserem seguir o exemplo sueco minha dicas são: fiquem em casa o máximo que puderem, ao sair de casa mantenham a distância de 2 metros ou mais uns dos outros, caso isso seja difícil usem máscaras, e lavem bem as mãos e com bastante frequência.
Hélio Loureiro